quinta-feira, 17 de março de 2011

JUREMA


-Quero deixar bem claro, que qualquer pergunta que eu faça deve ser respondida com total sinceridade, mesmo que pareça absurda. Temos um acordo?
Ele respirou fundo.
-Sim... Temos...
-Então me diga... O que o trouxe até o meu consultório?
Demorou muito para que Arnaldo procurasse ajuda. Os amigos do trabalho realmente se importavam com ele, e foi por insistência deles que se deixou convencer a procurar ajuda profissional. Estava decidido a confrontar aquele pavor que tomava conta de sua vida. Vinha se sentindo acuado, sem moral, e as pessoas estavam percebendo. Poucos dias atrás havia sido confrontado por um funcionário subalterno e teve medo de encará-lo. Isso devia ser resolvido. Agora ali estava ele, deitado em um sofá estranho, em uma sala estranha, tendo sua intimidade questionada por um estranho, desejando do fundo do seu ser que aquilo realmente funcionasse...
-Ah doutor... Não sei bem por onde começar...
-Do começo- Disse o médico com um sorriso amável- me fale sobre o seu dia... Como ele começa?
-Minha esposa, a Jurema, me acorda ás 6 da manhã para trabalhar e...
-Você não acorda sozinho?
-Ela me acostumou, assim durmo despreocupado sabendo que não irei acordar atrasado, mas eu me levanto rápido senão a Jurema fica estressada
-Hum...
-Então, banho, café da manhã e saio para trabalhar!
-Com o que o senhor trabalha?
-Gerencio o departamento de recursos humanos de uma grande empresa!
-Hum... Decisões importantes todos os dias?
-Sim... Sempre...
-Você tem relações com seus colegas de empresa fora do ambiente de trabalho?
-Não.
-Por quê?
-A Jurema diz que é melhor não misturar as coisas, que as pessoas só se aproximam de mim para tirar proveito. E se eu não escuto a Jurema fica estressada.
-A sua esposa diz com quem você deve conversar?
-Não... Ela me orienta para que eu possa decidir que são as melhores companhias para as noites de terça.
-Noites de terça?
-É quando a Jurema me deixa sair para beber com os amigos.
-Mas porque terça?
-Porque nos dias restantes, eu já tenho compromissos.
-De que tipo?
-Segundas quartas e sextas a Jurema tem natação e pilates. Quintas e sábados, aeróbica e musculação, e aos domingos ela vai ao shopping com as amigas.
-E qual é o compromisso do senhor?
-Alguém tem deixar a casa limpa, fazer a comida, lavar e passar a roupa. E se eu não fizer a Jurema fica estressada.
-O senhor está me dizendo que gerencia o RH de uma empresa com filiais em todo o mundo, e a sua mulher manda em você?
-Não é assim que eu vejo... Além do mais a Jurema anda muito estressada!
-Mas é assim que está acontecendo. O senhor tem que tomar as rédeas de sua vida, se não conseguir fazer isso em casa, nunca conseguirá no trabalho. O senhor quer que alguém tire o emprego do senhor? Pois é isso que irá acontecer, e nesse ritmo o senhor nem mesmo terá coragem de lutar pelo seu emprego.
Aquelas palavras atingiram Arnaldo como um direto no queixo, subitamente pode perceber tudo do que havia sido privado durante tanto tempo...
         -Mas doutor, o que eu faço?
         -Saia daqui agora mesmo e pare em um barzinho. Beba umas cervejas, paquere um pouco, sinta dono de você mesmo. Depois vá para casa e retome o controle de sua vida! Você precisa enfrentar a sua esposa!
Arnaldo levantou-se do sofá de um pulo, inflou o peito e começou a falar para si mesmo aos berros:
-É isso mesmo, quem manda nessa merda sou eu. Acabou esse negócio de ficar cuidando da casa enquanto ela se diverte, eu sou o homem aqui caçamba!!! Essa merda vai acabar hoje!! Agradeceu ao doutor e saiu pela porta com uma atitude de dar medo no Chuck Norris.
O doutor começou a fazer umas anotações, quando ouviu alguém bater à porta...
         -Sim, pode entrar...
         -Hã... doutor só uma dúvida...
         -Pode perguntar!
         -Ô doutor, eu pensei um pouco, e eu acho melhor deixar pra outro dia...
         -Mas porque seu Arnaldo?
         -É que eu fiquei um tempão deitado aí no sofá, e quando eu chego em casa com a roupa amarrotada a Jurema fica estressada!!!

Um comentário:

  1. Você convida o leitor a embarcar em suas narrativas de uma forma tão cativante que é impossível se recusar. Logo nas primeiras linhas já visualizamos o consultório, o psicanalista e o paciente. Nos envolvemos com o drama e, quando achamos que não dava pra ser mais engraçado, você nos surpreende com um final fabuloso!
    Queria escrever muito mais, mas estou com medo da Jurema ficar estressada... Abraços!!!

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