quarta-feira, 31 de julho de 2013

A Separação


Me dá a bolsa! Foi o que ouviu da voz ríspida e imperativa próximo ao seu ouvido ...
Estava a caminho de casa, poucos metros estavam entre a segurança do seu lar e a fria realidade urbana a qual estava sendo submetida... Não podia acreditar. O dia havia sido todo planejado de modo que nada atrapalhasse o encontro que teria com o namorado à noite, e mesmo estando juntos por pouco tempo, e ela não possuir sentimentos fortes por ele, gostava de estar com ele, pois ele a tratava bem. Na verdade havia gasto diversas horas de reflexão, tentando encontrar uma forma de terminar o relacionamento, como não foi capaz de pensar em nada, apenas deixou rolar... Pensou em comprar um presente, passou no caixa eletrônico e retirou todo o dinheiro que estava na conta, pois se lembrou de umas contas que deveria pagar, e mesmo sendo esse dia fora das datas de movimento bancário, iria passar por essa violência novamente.
A mente estava um turbilhão, várias imagens e pensamentos fluindo de uma só vez, pensamentos inconstantes e desordenados frutos do medo...
“Porque eu não liguei para o meu pai vir me buscar?”
“Poderia ter retirado o dinheiro no caixa do trabalho!”
“Posso começar a correr!”
“Quem eu estou enganando... Se eu pudesse correr 100metros me inscrevia na maratona...”  
As pernas tremiam demais...
“E se eu gritar?”
“E se eu gritar e ele me matar?”
Começou a pensar no que poderia vir depois do assalto e se apavorou...
“E se ele me bater?”
“E se ele cortar o meu rosto?”
Consegui perceber que o vulto era enorme, e isso piorou a situação...  
“E se ele olhar para a minha bunda e quiser me violentar?”
“Ai meu Deus, se um homem desse tamanho me pega à força eu fico toda estragada...”
Tentava entregar a bolsa e sair daquele pesadelo...
 “Ai, meu smartphone novinho!”
 E de repente o medo do estupro voltava...
“Eu não tomei o remédio ontem... Se ele me estuprar eu posso ficar grávida!”
“Nossa eu vi um vestido de grávida lindo no shopping!”
Então após uns segundos de paralisia, o vulto se pôs à sua frente se revelando como seu namorado...
- Você está bem amor? Pensei em fazer uma brincadeira, mas parece que você se assustou de verdade...
Inicialmente, ela pensou em chorar, bater nele, bater nele chorando, gritar... Ela estava estranhamente calma... Respirou fundo, assimilou a situação e sorriu por dentro... Havia encontrado a maneira perfeita de terminar o namoro...
E quando as lágrimas começaram a brotar, com uma voz de trauma e desespero ela começou:
- Como você brinca com uma coisa dessas? Eu não te disse que eu fiquei traumatizada quando fui assaltada! Isso não se faz! Blá, Blá, blá...


terça-feira, 30 de abril de 2013

5 Segundos



Contemplava aquele sono tranquilo, que possuía uma beleza única e encantadora...
Apenas 5 segundos... 
Foi o tempo entre abrir a porta, perceber que a sala estava ocupada e fechá-la novamente. E ainda assim ele percebeu que a “menina” que estava sendo entrevistada na sala em que, momentos antes, ele estava usando para analisar projetos, era “interessante”. 
O trabalho novo era desafiador e gratificante. Teve a sorte de conseguir contratar uma equipe que já conhecia, e isso facilitava muito as coisas em uma empresa nova. Todos os integrantes, além de ótimos profissionais, eram amigos queridos, que haviam crescido profissionalmente junto com ele à duras penas, dentre eles um grande amigo de infância e padrinho do seu filho. Bem empregado, recém-divorciado, inteligente... Era difícil o dia em que ele não conseguia uma paquera nos bares da vida. E ele estava adorando aquela vida, pensou consigo mesmo várias vezes, que por ele, nunca mais deixaria de ser solteiro...
Um dos benefícios de se trabalhar em uma empresa grande, era de se ter transporte para o local de trabalho, isso além de facilitar a diminuição do absenteísmo, proporcionava um tempo de descanso para os trabalhadores, devido a grande distância entre o local de trabalho e a cidade. Estavam ele e seu grande amigo, no ônibus da empresa conversando sobre seus interesses em comum, ora falavam sobre o trabalho, ora sobre música (ambos tocavam violão), quando chegaram a um ponto em que todos precisavam descer do transporte para verificação de identidade funcional... Então ele a viu. Aquela “menina interessante” que vira uns dias atrás apenas por uns segundos. Agora podia analisar atentamente e percebeu que ela era ainda melhor do que podia se lembrar, era “o seu número” e devido a enorme cumplicidade que possuía com seu amigo, precisou apenas olhar para que ele percebesse que havia se interessado, seu amigo realizou um movimento de arquejo com as sobrancelhas sinalizando que havia entendido a mensagem.
A nova funcionária morava na mesma rota que ele, e por isso utilizava o mesmo transporte para ir ao local de trabalho. Todos os dias aguardava o momento em que ela descia do transporte para poder admirar suas formas.
Tentou a aproximação com um argumento qualquer, passaram a almoçar juntos e conversar sobre os mais diversos assuntos no transporte e  o contato resultou em uma “amizade” inesperada, e isso não o agradou. Sentia-se bem ao conversar com ela, contanto casos durante a viagem de ida e volta, mas ao mesmo tempo, pensava que estava sendo desonesto com ela, ao demonstrar fraternidade, quando na verdade seu interesse era outro. Aproveitando um dia de sábado em que fariam jornada extraordinária e o efetivo era bem menor, ele abriu o jogo. Disse tudo o que estava querendo com relação a ela, expôs seus desejos, como ele imaginou que seria, prontamente alegou que aquilo era uma loucura, pelo fato de que ela era casada, e por ela nunca ter se insinuado dessa maneira. Ele concordou, e disse que não acreditava que algo fosse acontecer entre os dois, mas que achava canalhice o fato de estar posando de amigo, quando na verdade a intenção era lhe dar uns amassos.
E a vida seguiu... Continuavam almoçando juntos e conversando muito no caminho de ida e volta do trabalho. Ele apresentou livros e discos de que gostava e, para sua surpresa, ela acabou gostando também. Por conta dessa “amizade” ele pôde agradecê-la por alguns flertes que somente foram possíveis graças às suas dicas, dizendo qual das meninas se interessava por ele, já que ele admitiu por várias vezes não possuir a percepção necessária para saber quando alguém o olhava com segundas intenções. Mas ouvir no banheiro feminino as histórias do que ele fazia ou deixava de fazer foi causando certo aperto no peito da menina, aperto esse que ela não sabia explicar. Não sabia se era por conta dos problemas pessoais que vinha enfrentando, como a crise no casamento, ou porque queria muito bem àquele novo amigo, estranhava quando sentia a falta dele nos fins de semana. Pensou se era porque se divertia tanto ouvindo os contos de suas aventuras noturnas que sentia falta da época em que era ela a protagonista destes contos.
Ele percebeu que algo mudara... Não sabia o quê, mas algo mudara... Certa vez, por conta de um atraso na saída do trabalho, a noite já estava alta, e os dois conversando no transporte, ele percebeu que ela exibia certa fragilidade, um olhar de quem quer ter a vida sacudida, e ele não pensou duas vezes, como costumam dizer por aí “o não é certo, o que vier, além disso, é lucro”. Aproximou-se dela, e quando fez isso sentiu que ela se arrepiou, e a respiração ficou mais pesada, colocou a mão em seu rosto virando-o levemente em direção a ele, os lábios estavam em perfeito alinhamento... Quando partiu com seus lábios em direção aos dela, pôde ver que ela não relutou, mas ao invés disso fechou os olhos e suspirou como quem aguarda uma dádiva...
Hoje, quase cinco anos depois ele contempla esse sono tranquilo e encantador, a “menina interessante”, dorme tranquila abraçada com uma linda criança que veio completar a felicidade dos dois. E contemplando esse sono ele se lembra de tudo o que aconteceu nesse período e pensa... “ 5 segundos podem mudar uma vida”. 

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

UM NOVO COMEÇO



Ariovaldo e Gumercinda eram casados à cerca de quatro anos.
Recentemente Ariovaldo havia sido contatado por uma grande empresa, e quase tudo estava acertado para que ele começasse a trabalhar em no máximo dois meses. Seria uma grande mudança... Finalmente poderia mostrar o seu potencial em uma empresa de grande porte, e isso significaria também certa tranquilidade com relação aos seus filhos e o único “revés” seria ter que se mudar do estado do Rio de Janeiro para Minas Gerais... Revés??? Trocar a correria do Rio de Janeiro pela tranquilidade de uma cidade com cerca de 50 mil habitantes e status de patrimônio histórico... revés...
Ariovaldo e Gumercinda conversaram e concordaram que era sem sombra de dúvida a melhor escolha. Ela prontamente se empolgou e trocas algumas coisas, não queria levar coisas velhas para a “vida nova”. Começou uma ladainha contínua sobre troca de fogão, compra de sofá, troca de panelas... e para facilitar a vida Ariovaldo concordou, queria que a transição fosse o mais tranquila possível, afinal sua esposa ficaria longe da família e dos amigos.
Mudaram-se. Para surpresa de Ariovaldo, Gumercinda adorou a cidade, elogiava o tempo ... O clima, as pessoas, o apartamento. Ele fez questão de comprar tudo do melhor...

Praticamente adaptados, em um dia normal, enquanto o marido estava no trabalho, Gumercinda seguia sua rotina de cuidar da filha, que parecia estar ligada em 220 volts , e atualizar suas noticias no facebook. Quando a menina dormiu começou a fazer o jantar em suas novas panelas de aço inox com tampa de vidro, que ficou muito feliz quando o esposo concordou em comprar sem pestanejar, usando utensílios de madeira. Pôs a carne na panela e mexeu. Foi quando ouviu o sinal sonoro avisando que alguém a estava chamando no bate papo da rede social, foi dar uma rápida checada e viu que era uma amiga do Rio de Janeiro com tinha muita afinidade e então começou  um balé de seus dedos no teclado.
Não se sabe quanto tempo depois, foi arrancada de seu transe pelo som de trancas se abrindo. Ariovaldo estava chegando... Então sentiu um cheiro estranho e percebeu que havia esquecido o utensílio de madeira dentro da panela. O odor de madeira queimada empesteou o apartamento  Gumercinda estava pronta para xingar um sonoro palavrão quando o marido chegou na cozinha e disse:
                -Ô amor, entrou no clima mesmo hein! Levou esse lance de comida mineira a sério!?  Está até rolando um cheirinho de fogão à lenha!!!
Gumercinda abraçou o marido, lhe deu um beijo e caiu na gargalhada...